DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA FILIPE JACINTO NYUSI, PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, POR OCASIÃO DA PASSAGEM DO 30º ANIVERSÁRIO DA TRAGÉDIA DE MBUZINI.
Celebrando a Vida e Obra de Samora Machel
DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA FILIPE JACINTO NYUSI, PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, POR OCASIÃO DA PASSAGEM DO 30º ANIVERSÁRIO DA TRAGÉDIA DE MBUZINI.
Maputo, de 19 de Outubro de 2016.
Caros compatriotas;
Ilustres Chefes das Missões Diplomáticas e Consulares e Representantes das Organizações Regionais e Internacionais;
Estimados Irmãos Sul-Africanos que nos honram neste momento de Reflexão conjunta;
Caros convidados;
Minhas Senhoras e Meus Senhores!
Permitam-me, antes de mais, em nome do Povo, do Governo Moçambicano, e em meu nome pessoal, reconhecer e saudar a presença de todos os participantes nacionais e estrangeiros nesta cerimónia de homenagem à Samora Machel Primeiro presidente de Moçambique Independente.
Há 30 anos, a emissão da Rádio Moçambique foi bruscamente interrompida pela leitura de um comunicado oficial. A voz era facilmente reconhecível: todos identificaram o timbre grave de quem falava. Era Marcelino dos Santos, esse Combatente da primeira hora da Luta de Libertação Nacional. Mas ninguém podia prever a gravidade do que se iria anunciar. A aeronave presidencial que, há várias horas deveria ter aterrado no Aeroporto Internacional de Maputo, não tinha ainda chegado. Operações de busca tinham sido desencadeadas ao longo de toda a noite até as primeiras horas da manhã. A única informação concreta que aquela hora estava disponível era a de que um avião moçambicano, proveniente da Zâmbia, se tinha despenhado em território Sul-Africano.
Horas depois, Marcelino dos Santos voltou aos estúdios da Rádio Moçambique para confirmar a morte do Presidente Samora Moisés Machel. Do Rovuma ao Maputo, do Índico ao Zumbo, o Povo chorou a perda daquele que a História sempre recordará como libertador da Pátria, primeiro Presidente de Moçambique independente, o querido Presidente Samora Moisés Machel.
Junto com o malogrado Presidente perderam a vida 34 moçambicanos que faziam parte da sua comitiva. Todos esses nossos compatriotas foram e são chorados como parte de uma tragédia cujas feridas ficarão para sempre por cicatrizar.
A 28 de Outubro de 1986 a Nação Moçambicana prestou a última homenagem ao Fundador do Estado Moçambicano. A cerimónia aconteceu na Praça da Independência, o mesmo local em que, onze anos antes, Samora tinha tomado posse como Presidente de Moçambique. A cerimónia fúnebre aconteceu na mesma praça que tantas vezes o acolhera, em caloroso contacto com o Povo que tanto amava. Um lugar que tinha sido de festa e de esperança convertera-se subitamente num recinto de luto e choro. Naquela praça, uma nação inteira chorava uma mesma e única tristeza.
Ficará para sempre na nossa memória, o olhar perdido e incrédulo dos milhares de homens e mulheres, crianças, jovens e velhos que assistiram ao desfile fúnebre e viam partir um dirigente que amou a sua terra, de um líder que toda a sua vida serviu o seu povo, sem nunca dele se servir.
Nesse momento de desamparo, desconhecíamos que aquele por quem chorávamos não havia desaparecido como tanto pretendiam os seus inimigos. Samora Machel não morreu. Porque nós todos somos Samora.
Caros compatriotas;
Na verdade, Samora está presente em todos os cantos desta nossa nação. Estamos hoje a celebrar de uma forma cerimoniosa e formal aquilo que a vida quotidiana vem fazendo desde 1986. Não existe lugar na nossa terra onde não se relembra, sem a necessidade de uma efeméride, a vida e obra daquele que foi primeiro Presidente de Moçambique independente, daquele que o fundador da Nação moçambicana.
Enaltecemos hoje e sempre um moçambicano que sonhou e fez acontecer uma pátria livre e independente. Exaltamos a sua capacidade de fazer prevalecer as aspirações dos que queriam uma sociedade onde todos têm o direito ao progresso e ao bem-estar.
A vida de Samora Machel é uma escola, uma inspiração humana e patriótica. Com ele aprendemos o espírito de dedicação a uma causa que sirva, em primeiro lugar, os interesses da maioria. A intransigente defesa dos interesses nacionais foi o lema constante das suas opções. A nação moçambicana deve estar sempre acima das ambições individuais ou de grupos.
Samora Machel ensinou-nos o valor da verdade e da frontalidade. A sua autoridade política nasceu da integridade moral. Nasceu do exemplo, da coerência e da integridade. A sua vida foi um combate constante contra o que nos podia dividir: o tribalismo, o racismo, o extremismo religioso. Com a sua pratica, com as suas palavras, aprendemos a ser, todos nós, irmãos de uma mesma nação.
A sua governação pautou sempre pela inclusão, pela partilha de oportunidades, pela distribuição de riqueza. Samora Machel era um homem do povo e sempre defendeu os interesses do povo. Por essa razão ele não é apenas lembrado. Ele está presente no futuro que sonhamos construir.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Samora Machel é um Herói Nacional porque, com coragem e bravura, liderou o processo de libertação do nosso país. Sob a sua liderança vencemos o colonialismo português. Com ele proclamámos a nossa independência e iniciámos a dura caminhada rumo à construção da nação, da soberania e da independência económica.
A vida e a obra de Samora Machel consagram os valores ético-morais e de cidadania que cada um de nós deve prosseguir. Actos de exaltação da sua figura não se confundem com eventos de mistificação de uma personalidade. Em todos os lugares de Moçambique o seu nome é evocado hoje para lembrar o orgulho de sermos quem somos. Nos transportes públicos, nas ruas e nos campos, nos locais de trabalho, nas escolas e nos estádios, a figura de Samora Machel é invocada pelas pessoas anónimas que, no nome de Samora, encontram o seu próprio nome. Os mais pobres e os mais humildes insistem na evocação de Samora não apenas como uma lembrança. Mas como um desejo de inclusão e equidade social. A sua estatura humana continua a fazer prova do que é ser justo e do que é fazer justiça, do que é ser digno e honesto.
Samora Machel não era, contudo, um caso isolado. Alguns dos seus companheiros de luta estão entre nós, moçambicanos que ao lado de Samora, dedicaram as suas vidas ao serviço do bem-estar e do progresso do nosso povo. Saudamos hoje todos esses que se preservam como memória viva, todos os que são referências morais e nos ajudam a discernir o que é correcto, o que é realmente ser patriota. Saudamos todos esses que ajudam a entender o que é servir desinteressadamente o povo e o que é defender os interesses nacionais acima dos interesses particulares.
Caros compatriotas,
Um povo sem heróis é um povo sem referências, sem rumo, sem destino e sem história. A invocação de Samora Machel não pode servir apenas de uma comemoração de uma efeméride. O seu exemplo deve ser exaltado para que a esperança de um mundo melhor se mantenha viva dentro de nós. Não é uma memória do passado que aqui celebramos. É uma certeza de que um outro futuro é possível.
Machel lutou pela liberdade e igualdade da mulher e de todos os que vivem sob o peso da opressão. Ele combateu para que não houvesse minorias, nem discriminação de qualquer tipo na nossa sociedade. Machel encabeçou uma marcha irreversível de emancipação que mudou para sempre a nossa sociedade.
A dimensão da figura de Samora Moisés Machel ultrapassa os limites da nossa fronteira e estende-se pelos países da região, do continente e do mundo. Samora Machel sabia muito bem o que significava a solidariedade internacional.
Foi ele que nos encorajou a fazer nossa a causa da liberdade de outros povos que viviam sob a dominação estrangeira ou sob regimes de ditadura. O colonialismo não tem cor, a opressão não tem raça: foi isso que nos ensinou. Não lutámos para substituir uma velha elite por uma outra. Lutámos pelo fim de uma ordem económica que produz desigualdade e miséria. E essa luta é de todos os povos, sem distância nem fronteiras.
Quando a nossa Pátria foi agredida pelo regime ilegal e minoritário da Rodésia, Samora Machel liderou-nos no combate contra Ian Smith. Vivíamos uma situação económica difícil, dávamos os primeiros passos para nos afastarmos da herança colonial. Em nenhum momento, porém, Samora Machel hesitou em cumprir o dever de solidariedade para com o Povo irmão do Zimbabwe.
O modo como Samora nos conduziu na luta contra o regime do Apartheid foi um exemplo de coragem, coerência e integridade. Não combatíamos apenas um regime. Combatíamos a desumanidade de um racismo convertido em política de Estado. Foi a sua clarividência que nos fez ver que o Apartheid não estava simplesmente condenado pelo Tempo. Era preciso abanar a árvore! Foi isso que ele nos disse, que era preciso sacudir a árvore para que aquele fruto podre caísse, para que na África do Sul houvesse igualdade, democracia e justiça social!
A esse sonho solidário, Samora dedicou-se sem nunca desistir. Essa foi a sua visão: uma África do Sul em que as crianças brancas, negras, mulatas, indianas e de todas as cores fossem simplesmente crianças, partilhando uma mesma casa, de uma casa chamada futuro.
Ilustre Família Machel;
Queridos familiares dos mártires de Mbuzini!
Quero dirigir uma palavra singela para todos vós! Há trinta anos que esta grande família dos Mártires de Mbuzini tem convivido com a crueldade da dor, da solidão, da ausência dos vossos entes queridos causada pela tragédia da noite fatídica de 19 de Outubro de 1986.
Esta dor se agudiza porque a verdade sobre a morte nunca foi esclarecida. A justiça ainda deve ser feita, um direito que vos assiste como parentes dos Mártires de Mbuzini e que assiste, igualmente, a todo o Povo Moçambicano.
Queremos aqui, em nome do Governo Moçambicano, manifestar a nossa solidariedade e a nossa mais profunda gratidão pela forma serena e tranquila como têm vivido esta irreparável saudade. Essa vossa dor é nossa também. Aceitem, caros irmãos, o sentimento solidário que nos faz partilhar da lembrança dos que foram arrancados do nosso convívio.
Caros compatriotas;
Minhas senhoras, Meus senhores!
O Povo Moçambicano tem demonstrado que é capaz de prosseguir com a obra de Machel. Num passado recente, fomos capazes de colocar um ponto final a um ciclo de guerra e confrontação violenta. Fomos capazes de abrir um novo capítulo de paz, harmonia e concórdia no nosso País. Os que estavam de um e de outro lado de uma fronteira que parecia feita de eterno rancor e ódio saltaram os muros que os dividiam e abraçaram-se como irmãos.
Com o alcance da paz, enveredámos pelos caminhos da reconciliação nacional e normalização da vida da grande família moçambicana. Moçambique vive um clima de reforço contínuo da democracia real. Esse caminho faz-se caminhando e estamos certos que os passos já dados e os que ainda nos faltam dar irão consolidar o nosso país como um motivo de orgulho para todos nós, moçambicanos de todos os quadrantes políticos.
Esta paz pela qual tanto lutou Samora está hoje, novamente, ameaçada pelas acções militares da Renamo. A sociedade inteira tem estado a repudiar a violência através de canções, cerimónias religiosas, e todo o tipo de manifestações artísticas e culturais. O Povo moçambicano incentiva-nos e encoraja-nos a restaurarmos a reconciliação que já antes fomos capazes de conquistar e usufruir. A conquista dessa Paz total e definitiva será uma vitória que não terá dono porque nos pertence a todos, de igual modo.
Queremos aproveitar esta ocasião para apelar à Renamo para que, tal como no passado, mostremos que não há barreiras intransponíveis quando colocamos os interesses do Povo e da Nação moçambicana acima de tudo. Essa foi a lição de Samora. Essa é a mensagem que recebemos de todos os moçambicanos.
Certamente que as nossas diferenças na forma de olhar Moçambique irão continuar. Todavia, essas diferenças não se devem sobrepor aos interesses do nosso Povo. Nenhuma causa pode ser justa se, para vencer, sacrifica o povo e rouba a vida de inocentes. Esses são os valores pelos quais Samora lutou e deu a sua própria vida.
O nosso compromisso é prosseguir com a obra que o Presidente Samora nos legou. O melhor modo de respeitar a sua herança é construir uma sociedade mais generosa e mais solidária, uma sociedade em que o respeito pela liberdade e pela diferença sejam valores sagrados e consagrados.
Aquando das cerimónias do Dia da Independência Nacional, procedemos, neste mesmo local, ao lançamento do Movimento de Celebração da Tragédia de Mbuzini, sob o lema “30 Anos de Mbuzini, celebrando a vida e obra de Samora Machel.”
Reiterámos aqui o que dissemos naquela ocasião: o Presidente Machel permanece vivo. Samora Machel continua a ser um alicerce do orgulho de sermos quem somos: solidários com os mais carentes, disponíveis para lutar pelos que sofrem, pelos que são excluídos.
Repetimos hoje o compromisso de há trinta anos: não diremos nunca adeus a Samora Machel. Um Povo não pode despedir-se da sua História! Samora permanece à porta do nosso Tempo, instigando-nos a conquistar um futuro em que a felicidade e a riqueza servirão a todos de igual maneira.
Samora é Moçambique. Samora, somos todos nós. Somos todos nós, de Norte a Sul de Moçambique!
Viva o Imortal Samora Moisés Machel!
Muito obrigado a todos.